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Sete ex-ministros da Saúde cobram decisões técnicas, sem influência política, na escolha de vacina

TRagora 3 anos atrás

Sete ex-ministros da Saúde cobraram decisões técnicas, sem influência política, na escolha e distribuição da futura vacina contra o coronavírus e criticaram a falta de articulação logística da pasta, em evento intitulado de “Dia C”, do IQC (Instituto Questão de Ciência), em oposição ao “Dia D” contra a Covid-19, organizado pelo governo Jair Bolsonaro para ocorrer neste sábado (3).

A live reuniu pesquisadores e políticos para apresentar informações sobre a Covid-19 pautadas em ciência.

Foram convidados os ex-ministros Nelson Teich e Luiz Henrique Mandetta, que deixaram o Ministério da Saúde no meio da pandemia, após discordâncias com Bolsonaro quanto a medidas de isolamento social e uso da cloroquina. Só Teich participou.

Também participaram da discussão ocupantes da pasta em gestões do PT: Humberto Costa (2003-05), José Saraiva Felipe (2005-6), Agenor Álvares (2006-7), José Gomes Temporão (2007-11), Alexandre Padilha (2011-14) e Arthur Chioro (2014-15).

Para Teich, “não dá para enfrentar uma guerra no meio da outra”. “[É preciso] que as posições políticas e partidárias não estejam acima das necessidades da sociedade”, disse, criticando a pasta por falta de coordenação nacional, o que, segundo ele, teria piorado com o auge da crise sanitária —quando esteve no posto. “Liderança não se consegue por decreto. Tem que ser conquistada no dia a dia.”

Os ex-ministros criticaram a postura negacionista de Bolsonaro, a previsão de corte de cerca de R$ 35 milhões da Saúde para 2021, e defenderam o fortalecimento do SUS (Sistema Único de Saúde).

Segundo Chioro, médico sanitarista e professor universitário, que foi ministro no governo Dilma, é dever do atual ministro “lutar para que o SUS tenha recursos e contra o teto de gastos, essa vergonha”, afirmou. “O ministério deve corrigir as desigualdades regionais, apoiando os municípios e estados.”

Já para Saraiva Felipe, é ingênuo pensar que não haverá influência política nas decisões da saúde. “Vai ter. Mas nós temos que reorganizar o movimento sanitário e cobrar. Senão vira apenas um muro das lamentações, do que o ministério devia fazer. E vamos assistir impotentes e chorosos.”

Quando o assunto é vacina, o consenso entre os ex-ministros é que o Programa Nacional de Imunização sempre foi bem estruturado, apesar da queda de vacinação no ano passado, quando pela primeira vez no século o país não atingiu a cobertura vacinal de crianças.

Há ao menos três tipos de vacina sendo prometidas para a população brasileira, todas na fase três de testes. O Ministério da Saúde já tem um contrato para fabricação na Fundação Oswaldo Cruz da vacina inglesa da empresa AstraZeneca e da Universidade de Oxford.

O governo de São Paulo promete a Coronavac, imunizante criado pela chinesa Sinovac e que será produzida em conjunto no Brasil pelo Instituto Butantan, já para dezembro. Já governadores da Bahia e do Paraná apostam na vacina Sputnik V, da Rússia.

“Era referência no mundo. Nossa jóia da coroa, que transcende governo, partido. Erradicamos a poliomielite, o sarampo, e controlamos a Aids. Temos que ter maturidade institucional para não deixar a questão político-partidária interferir na questão de saúde”, afirmou Agenor Álvares, bioquímico e sanitarista, que foi ministro do governo Lula.

Para Temporão, a equipe técnica, que já vacinou mais de 100 milhões de pessoas contra a H1N1, por exemplo, é quem deve assumir o protagonismo. “O [atual] ministro [Eduardo] Pazuello não tem postura para liderar esse processo. Ele tinha que estar coordenando a logística. O pior cenário é a vacina paulista ser só para paulista e a carioca para o resto do país, imagina?!”

É o mesmo temor de Alexandre Padilha. “Não pode ter uma guerra da vacina. Conquistada uma imunização eficaz, é preciso garantir que chegue para todos e não permitir monopólio.”

Para Humberto Costa, a preocupação é com os critérios. “Qual parte da população deve ser vacinada primeiro? Profissionais de saúde, pessoas com comorbidade? O ministério tem que sentar com as instituições e elaborar uma ação unificada.”

São cerca de dez vacinas diferentes na última fase de teste no mundo, mas, segundo Teich, “elas têm mecanismos de ativação diferentes, precisam de refrigeração diferente. Como preparar os aviões? Vimos problemas com EPI [Equipamento de Proteção Individual]. Será que vai ter frasco? Tampa de frasco? Seringa? O país precisa se preparar para levar acesso para todo mundo”, disse o ex-ministro do governo Bolsonaro.

“Nossa capacidade de execução é baixa. Até agora não conseguiram resolver a falta de testagem. Somos o 86º país em testagem e misturamos teste rápido com teste sorológico”, afirmou.

Chioro afirmou que os políticos devem “parar de enganar a população dizendo que a vacina estará aí no começo de 2021. É um produto que não está pronto, não tem escala [de produção], e vacina não é individual, mas coletiva. Só teremos proteção quando 90% da população tiver acesso. É um enorme desafio logístico”, disse.

Para o “Dia D” a pasta da Saúde inicialmente pretendia divulgar vídeos falando sobre cloroquina —droga cuja eficácia contra o novo coronavírus não foi comprovada em estudos científicos— e outros remédios, como ivermectina —que tampouco tem comprovação de eficácia contra a Covid-19.

Com a repercussão negativa, o atual ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, vetou a divulgação de medicamentos na iniciativa governamental. Agora, a orientação é que o foco seja no que é chamado de “atendimento e conduta precoce” contra a doença.

A Folha chegou a ter acesso aos planos do “Dia D”, nos quais constava a possibilidade de que o Exército distribuísse hidroxicloroquina para unidades básicas de saúde selecionadas, as quais ficariam abertas neste sábado.

Aventou-se também colocar cartazes sobre a necessidade de tratamento precoce e foi levantada a possibilidade de pronunciamento do presidente Bolsonaro, que é um defensor e incentivador do uso da cloroquina contra a Covid-19.

O “Dia C de Conscientização da Covid” surgiu exatamente pela preocupação quanto à possibilidade de ocorrer um evento governamental com informações científicas incorretas. A mediação da conversa com os ex-ministros foi feita pela jornalista Sabine Righetti, pesquisadora do Labjor-Unicamp e coordenadora da Agência Bori.

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